Os meus avós maternos sempre viveram na cidade mas sempre mantivemos e mantemos a casa dos meus bisavós e tetravós, em Trás-os-Montes.
Na minha meninice e juventude, iamos sempre lá passar um mês de férias, depois da praia. Os meus pais ainda continuam a ir.
Eu sabia que nessa casa havia fusos e rocas, lembro-me delas desde pequena embora nunca tenha visto ninguém lá de casa usá-las. Assim, a minha mãe, sabendo desta minha súbita paixão pelas coisas da lã, procurou-as e tinha à minha espera esta surpresa.
Sujas, gastas, uma das rocas com caruncho, mas mantendo a elegância das gravações primitivas e das pinturas.
Sobretudo mantendo a beleza das mãos ancestrais e desconhecidas, das inúmeras mulheres da família, que durante noites de Inverno infindáveis as manusearam e rodaram sentadas ao lume da lareira!
Que histórias fantásticas terão ouvido, a que dramas assistido, que alegrias e sonhos partilharam?
A roca mais pequena e um dos fusos sei que os usei, teria eu seis anos, quando me vestiram de pastorinha, da
Nossa Senhora da Ribeira, e fui participar numa procissão nas festas da cidade de Bragança.
Como poderia esquecer essa tarde memorável de calor e sede, em que obedecendo a uma orquestração rigorosa de pára e anda e não saias do sítio, percorremos as ruas da cidade? Como poderia esquecer que quase andei à estalada com uma
Nossa Senhora das Graças, padroeira da cidade, que devia ter a minha idade, mas que, nos seus trajes luxuosos e com os seus raios de ouro nas mãos devia achar-se bem mais superior a mim; humilde pastora vestida de cetim azul, avental cor-de-rosa e lenço branco, de roca debaixo do braço e fuso na mão; que a cada paragem tinha que se ajoelhar aos pés da Nossa Senhora da Ribeira?
Definitivamente estes fusos e rocas fazem parte da minha história e serão um tesouro bem guardado!