Tive um grande amigo, há muitos, muitos anos, andarilho das sete partidas do mundo, que um dia me escreveu um postal, lá das profundezas da selva Amazónica ,que dizia que se sentia feliz, que ali tudo cantava, cantavam os passarinhos, cantavam as árvores, cantava o Kim Crimson e até ele cantava!
Lembrei-me dele agora,ao escrever sobre a minha tarde, debaixo da laranjeira, a bordar estas casinhas, e já vão perceber porquê. Não são lindas e apropriadas para bordar no meio da natureza, tendo atrás de mim a minha própria casa feliz?
E os sons deste bordado conseguem ouvir?
Cada ponto bordado, tem agarrado a si uma infinidade de sons que recordarei cada vez que olhar para estes desenhos.
O cantar afinado dos pintassilgos, a passarada miúda que numa conversa desenfreada grita de árvore para árvore e repete vezes sem fim.
O arrulhar de uma rola inspirada que, mesmo aqui por cima de mim, teima em não se calar sem eu perceber a sua mensagem .
Mais ao longe um cuco dá anos e anos de solteira a uma qualquer moça desprevenida que lhe terá feito a tal pergunta factídica ...
Aqui em frente canta a água que o meu marido pôs a correr para a piscina, a calma cortada de quando em quando pelo silvo agudo do ar em movimento, lá longe, contra os muros da ponte, sempre que passa um comboio, e, a todas as horas , também ao fundo mas do outro lado, o badalar do relógio da aldeia a lembrar a todos o passar do tempo.
« Tempus fugit», mesmo o da felicidade.
E ,de forma contínua e incansável, um exército de ralos e grilos junta-se à sinfonia.
Aqui tudo canta!
Eu, estou concentrada no bordado, e embora não cante, nem nenhuma voz humana se faça ouvir por aqui, estou com os sentidos bem alerta e agradeço tão lindo recital!