Para mim Natal tem várias cores, vários sabores, várias memórias.
O Natal da minha infância e juventude foi sempre passado no Porto e já só casada é que o vivi noutras paragens.
Enquanto pequena, sempre acreditei no Menino Jesus, que era ele que trazia os presentes, durante a noite. De manhã quando acordava, corria para o sapatinho que tinha deixado ao pé do presépio e ficava a desembrulhar tudo, bonecas, roupinha para elas, louça de brincar e sempre, sempre os guarda-chuvas e lápis de chocolate da Regina.
Ficava muito caladinha para poder estar sozinha a saborear bem a minha alegria sem ter que a demonstrar e partilhar com os outros. Os meus pais, esses, estavam sempre na expectativa de que eu acordasse, para ficarem a espreitar a minha alegria que compensava o seu esforço e trabalho.
Um dia, tinha eu seis ou sete anos, dei uma tareia monumental num amigo meu de nove ou dez anos a quem a minha mãe dava explicações de matemática. Enquanto ela saiu da sala para ver o almoço, provavelmente, e ele devia fazer os exercícios marcados, veio conversar para a minha beira. Mais coisa menos coisa, o Natal que estava próximo veio à baila e ele, amoroso grrrrrr, resolveu contar-me que quem dava os presentes eram os pais e não o Menino Jesus. Passou-me uma coisinha má pela frente, desatei à bofetada e ao pontapé a ele, a dizer que não era verdade, que não... deitei-o ao chão, saltei-lhe para cima, sempre a bater... e foi assim que a minha mãe nos encontrou! Difícil foi convencê-la do que se tinha passado sem lhe contar o verdadeiro motivo da zanga.
Perto do Natal chegava sempre uma encomenda dos meus avós paternos. Vinha de comboio desde o vale da Vilariça, um enorme cesto quadrado, coberto de pano grosso e branco, cosido com linha grossa aos bordos do vime. O meu pai pousava-o na mesa da sala das refeições e quando o abria já começava a ser Natal. Muitas das coisas que eu gosto estão associadas a esse cesto. Alheiras, chouriças doces, salpicões, tudo feito em casa da minha avó, alcaparras ( azeitonas descaroçadas e curadas verdes), mel, queijo de ovelha curado, nozes, amendoas, romãs...
Natal era também, todos os anos, a caixa em folha pintada, de bolachas sortidas e a garrafa de vinho do Porto que a mercearia donde gastávamos oferecia aos meus pais. Era o polvo seco, toda a espécie de bacalhau, e as barricas de madeira com peixe salgado, na mercearia da Rua das Flores. ( Comércio Tradicional e sem ASAE)
E eram as férias, e os meus pais que deviam achar que o Natal era das crianças e faziam questão de me levar ao circo no Coliseu. Aí, o Natal transformava-se em gargalhadas, cor e magia.
Natal, era o amor da minha mãe, que apesar de não gostar de costura nem tricot ( ainda hoje assim se mantém) andava escondida pelos cantos, cosendo pequeninos bocados de tecido ou tricotando com agulhas fininhas, que escondia rapidamente sempre que eu me aproximava, o que muito me intrigava, mas que deduzia ser daquelas coisas bizarras que os adultos tinham e a que as crianças não tinham acesso. Só mais tarde percebi que todos aqueles segredos eram os vestidinhos, casaquinhos e roupa das minhas bonecas que ela fazia. Naquele tempo não havia Barbies nem roupa de boneca pronta a vestir e a comprar!
Os meus avós maternos viveram sempre perto de nós, às vezes até na mesma casa. Natal doce eram as rabanadas, as filhós, os sonhos, o arroz doce que a minha avó começava a fazer bem cedo e o cheiro do limão e da canela que pairava por todo o lado. Hoje herdei eu essa função!
Natal, foi aflição quando percebi que, afinal, não era o Pai Natal, nem o Menino Jesus... eram os pais...mas sabia tão bem! E agora que eu já sabia? Ia deixar de ter os meus presentes? Não, o melhor era acreditar, fazer que acreditava! Os meus pais devem ter pensado que eu era meia lerdinha...12 anos e a ainda a acreditar no Pai Natal? A miúda não é normal...!
E depois, que já estava mais crescidinha e informada oficialmente de que não havia Pai Natal, os presente continuaram.
Natal, foram os meus primeiros sapatos de tacão alto que o meu avô materno me ofereceu, comprados na Vogue, a melhor sapataria do Porto. O meu avô tinha um fetiche por sapatos bons! As sombras em baton, azul bébé, com que eu pintava os olhos, aos 13 anos, quando ia para as aulas e que esfregava com um lenço antes de entrar em casa, para os meus pais não verem!
Natal, são todos, todos os anos até este, e mais os vindouros! Mas isso fica para outro capítulo.
BOM NATAL! HO, HO, HO, HO,